sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Uma boa notícia

Um modelo para a Amazônia

A cidade de Paragominas já esteve na lista de municípios que mais destroem floresta. Hoje, comemora a saída do mapa do desmatamento. Por Dal Morcondes. Foto: Antonio Silva/ Ag. Pará

Ao completar 50 anos, em janeiro de 2011, Paragominas, no nordeste do Pará, também comemorou a retirada da cidade do mapa do desmatamento, e apostou em um futuro que se reconcilia com seu fundador, o mineiro Célio de Miranda, que em 1958 seguiu os passos do conterrâneo famoso, Juscelino Kubitschek, e resolveu fundar uma cidade. Foi o próprio JK quem presenteou Miranda com uma das plantas que concorreu para a construção de Brasília, um projeto do arquiteto Lucio Costa que havia ficado em quarto lugar. O fundador havia imaginado uma cidade moderna, dinâmica e capaz de desenvolver a região, então completamente despovoada. Em 1959, Juscelino assinou o decreto que criaria a rodovia Belém-Brasília, que a partir dos anos 1970 levaria mais gente e investimentos à região.

Durante quase 40 anos a cidade ficou conhecida como uma “terra sem lei”, onde proliferavam os assassinatos, o desmatamento ilegal e uma economia predatória, tanto no que se refere à floresta como em relação à pecuária, feita de forma extensiva e sem tecnologia. Isso culminou com a entrada de Paragominas, em 2008, na lista negra de municípios que mais desmatam na Amazônia. A cidade foi embargada e nada de suas fazendas conseguia crédito ou acesso aos mercados. “Paragominas era a síntese da destruição da Amazônia”, diz Adnan Demachki, prefeito da cidade. Para ele, alguns dados eram gritantes, como a insegurança jurídica, a falta de um bom ambiente para os negócios e a pouca oferta de crédito para as propriedades no município. Mas o que realmente chamava a atenção era um indicador incontestável: “Paragominas tinha, em 2008, um PIB per capita de 8.923 reais, enquanto Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, chegava a quase 52 mil”, conta.

Uma parceria entre a prefeitura, o sindicato dos produtores rurais, duas organizações ambientalistas, o Imazon e a TNC, e o Fundo Vale e a Dow AgroSciences, começou a dar uma nova cara ao município. O primeiro passo foi a regularização das propriedades, ou, ao menos, montar um quadro claro de qual é a situação ambiental de cada fazenda. Para isso, o sindicato e a prefeitura começaram a implantar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que mapeia através de satélites e de visitas às fazendas a situação de cada uma em termos de preservação de suas reservas legais, que na região tem de ser de 50% da área das propriedades, e das áreas de preservação permanente, como matas ciliares e proteção a nascentes.

“A primeira constatação foi de que o município ainda mantém mais de 60% de suas áreas florestais, que as propriedades com problemas não eram tantas e que tudo poderia ser resolvido com planejamento e tecnologia”, explica Mauro Lucio Costa, presidente do sindicato dos produtores rurais. Ele conta que, de 2008 até o início deste ano, 93% de todas as propriedades fizeram o CAR e registraram o estado de suas reservas legais e áreas de preservação permanente (APP). Dessa forma, puderam começar a recuperação das áreas degradadas e a planejar a recomposição florestal com base em critérios técnicos, como a vocação de cada território. Assim, a agricultura e as pastagens ficaram com as melhores áreas desmatadas e foram recuperadas as que não apresentavam potencial produtivo.

Outro passo importante foi banir da cidade as atividades consideradas ilegais ou que não se enquadravam nos critérios de um município que quer trabalhar com justiça social, respeito ambiental e práticas econômicas modernas. “Entre 2008 e 2009, houve a perda de mais de 2,2 mil postos de trabalho na cidade”, explica o prefeito. “Grande parte era ligada ao desmatamento, serrarias e produção de carvão, empregos sem garantias e sem carteira assinada, na sua maioria. Foi um momento de crise, em que a decisão de mudar teve de ser forte.” Em contrapartida, entre 2010 e junho de 2011, a cidade viu crescer as ofertas de emprego em 3.830 vagas com carteira assinada, segundo dados da prefeitura.

Adnan Demachki (PSDB), prefeito de Paragominas. Foto: Daniel Marenco/ Folhapress

No sindicato dos produtores, ainda é comum a queixa de que trabalhar de forma legal e sustentável não tem vantagens. Costa explica, porém, que a mudança na reputação do município deu resultados, como o retorno do crédito para os pecuaristas da região e uma relação mais amigável com o Ibama, o órgão ambiental federal. “A única maneira de pagar a conta da recuperação ambiental é com a produção.”

E melhorar a produção é o foco do trabalho para transformar a pecuária com a adoção de práticas mais sustentáveis, que vão do respeito à legislação florestal, melhora do manejo de pastagens e cuidado com o bem-estar dos animais. O professor Mateus Paranhos, pesquisador da Unesp, realiza um trabalho de capacitação nas fazendas da região. “É preciso ter uma relação de respeito com os animais, não adotar práticas que os machuquem e que causem hematomas e dor.”

Com as melhoras propostas por pesquisadores da Esalq e Unesp, duas universidades do interior de São Paulo, é possível aumentar a produtividade da pecuária. Segundo o professor Moacyr Corsi, outro a atuar na região, o bom manejo de pastagens permite aumentar a produtividade média de 0,8 boi por hectare, para até 10 cabeças. “Para isso basta o manejo adequado e a atuação mais profissional dos pecuaristas.” O ganho de produtividade pode ampliar não apenas a produção de gado, mas liberar áreas de pastagem para o uso da agricultura. “Paragominas tem áreas úteis para a agricultura e a pecuária quase três vezes maior do que Lucas do Rio Verde”, compara Demachki, que sonha em ver sua cidade como modelo para uma Amazônia capaz de produzir, respeitar os limites ambientais e gerar renda e riqueza para a sua população.

Dal Marcondes

A reação diz tudo.

Bandidos de toga

Intimidar os críticos é o ardil dos criticados


Quando a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, alertou para a impunidade dos juízes e criticou o corporativismo dos que querem restringir o poder de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi direto ao alvo: “Acho que isto é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimo problema de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga.” Imediatamente, a lógica da corporação se moveu irada e exigiu que ela apontasse os nomes.

Nem se deram conta que quem reage pessoalmente ofendido a um comentário de caráter geral está, na verdade, vestindo a carapuça. As corporações desprezam soberanamente a opinião da sociedade. Sua retórica da desinformação se põe em campo para intimidar quem as critica. Buscam manter uma interação desfocada da opinião pública para não chamar a atenção para a amarga situação do Judiciário, que às vezes deixa o cidadão mais pobre à espera, a vida inteira, de Justiça. O que importa é manter o espírito de corpo e proclamar a rotina da conivência entre os detentores da verdade. E garantir o princípio de que a sociedade, através do controle externo, não pode tocar na sacralidade dos juízes.

É exatamente este véu de impunidade, mantido por um teatro de “investigação de conduta”, que atrai os criminosos para a atividade. Nada disso é muito diferente da política, com este mesmo vício de “classe”. O crítico é sempre aquele que usa a língua fora do poder. Mas quando ela vem da boca de uma destemida juíza traz uma esperança. Sinaliza a possibilidade concreta de mudança e melhoria na gestão das instituições. Livra-se da emboscada do silêncio e eleva o tom contra o movimento corporativo, que quer “cortar as asas” e os poderes de investigação e julgamento contra juízes ineptos ou envolvidos em corrupção. Calmon não se sujeita. Exige respeito e endurece a crítica contra os transgressores e negociadores de sentença.

É logo atacada por vozes “autorizadas” e posta diante do seu “erro”: a ousadia de imputar culpa a colegas, de querer lavar a roupa suja ao sol da transparência e ousar desativar os mecanismos de desmoralização do Judiciário. A corregedora, com descortino põe-se do lado certo, e escolhe com sua atitude ajudar a sociedade a se aperfeiçoar. Diz que a sedimentação cultural da corrupção e a “intimidade indecente entre a cadeia e os poderosos estão acontecendo em razão de um esgarçamento ético muito grande. A sociedade caminhou para este grande abismo.

A linguagem moral e ética, (tornou-se) uma linguagem fraca. Chegamos a um estágio que ou partimos para uma posição de radicalizar uma providência contra a corrupção ou nós não vamos sobreviver como nação civilizada”. Na entrevista que deu à Associação Paulista de Jornais (APJ), a corregedora abre a caixa-preta de muitas carreiras de sucesso. E afirma saber que “não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar. Um habeas corpus, uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções.

Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão. O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém. Esse chegará ao topo do Judiciário”. Baiana de Salvador, a ministra Eliana Calmon não tem esperanças de poder investigar a Justiça de São Paulo, refratária à corregedoria nacional e onde estão 60% dos processos ajuizados no país: “Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro.”

A lucidez desenganada do humor traduz a sentença de Rui Barbosa, seu conterrâneo ilustre: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Paulo Delgado é sociólogo e foi deputado federal pelo PT-MG

(Texto publicado no jornal O Globo, edição de 30/09/2011)

Do blog Na Ilharga

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Opção de escolha!

Homem, Mulher ou X?

Na Austrália, cidadãos com passaportes poderão ser identificados como homens, mulheres ou simplesmente 'X'

Cidadãos australianos têm três opções para escolher seu sexo em seus passaportes: masculino, feminino ou X. Foi o que anunciou, na quarta-feira 14, o ministro australiano do Exterior, Kevin Rudd, conforme reportou o diárioCanberra Times.

A nova categoria, diga-se, é válida somente para intersexuais, ou seja, aqueles que biologicamente não podem ser considerados inteiramente femininos ou masculinos. Indivíduos que mudaram de sexo, mesmo aqueles não operados, poderão optar entre as categorias homem ou mulher – mas não poderão selecionar X.

Até agora, pessoas que mudavam o gênero a elas designadas no nascimento eram obrigadas a fazer cirurgia para serem consideradas como mulheres ou homens nos seus passaportes. Em numerosos países este ainda é o caso. Contudo, qualquer país membro da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) pode oferecer a categoria X aos seus cidadãos.

Louise Pratt, senadora australiana cujo marido nasceu mulher e agora se identifica como homem, disse que a categoria X é muito importante porque há pessoas geneticamente ambíguas às quais um sexo foi atribuído ao nascerem. Essas pessoas, em suma, nunca puderam escolher seu sexo. Como se isso não bastasse, intersexuais são discriminados, emendou Pratt.

No entanto, se intersexuais não serão mais discriminados em aeroportos, a batalha é mais difícil em outros campos. No esporte, por exemplo, esse é um tema a provocar enorme controvérsia. Isso porque atletas, especialmente mulheres, reclamam quando suspeitam que rivais superiores sejam homens.

Nos Jogos Asiáticos de 2006, por exemplo, a hindu Santhi Soundarajan, corredora de 800 metros rasos, perdeu sua medalha de prata após um teste para identificar seu sexo. À época, o jornal Times of India entrevistou a ginecologista Sharmila Lal. Disse a doutora Lal: “Não é possível determinar se uma pessoa é homem ou mulher somente olhando para sua genitália ou aparência física. Certas pessoas nascem com órgãos sexuais ambíguos, outras têm uma anatomia que não corresponde aos seus cromossomos sexuais”.

A doutora Lal referia-se ao seguinte: na vasta maioria das vezes, dois cromossomos X (XX) determinam o sexo da mulher, e um cromossomo X e outro Y (XY) confirmam o sexo do homem. Porém, há mulheres com um cromossomo Y – e por vezes desconhecem o fato por terem todas as características de uma mulher. Em outros casos, mulheres com dois cromossomos X podem ter aspecto masculino.

O governo da Índia não reconheceu o teste dos Jogos Asiáticos, oferecendo à atleta 34 mil dólares. Mas a humilhação pública pela qual passou levou Soundarajan a tentar se suicidar.

A discriminação contra intersexuais, transgêneros e pessoas que mudam de sexo na sociedade continua. De qualquer forma, Peter Hyndal, do grupo australiano A Gender Agenda, disse que a reforma é histórica.

Disponível em: http://www.cartacapital.com.br

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Esses nossos jovens...

7 de setembro

O desfile de 07 de setembro em Terra Alta repetiu a grandiosidade dos anos anteriores. Aliás, esse dia é uma data que ainda mobiliza muita gente no Município. Creio que é o evento que mais reúne gente em Terra Alta.
A novidade ficou por conta da apresentação da turma de uma das escolas que desfilou. Foi feita uma paródia do rap da felicidade - um dos melhores funks do Brasil, diga-se de passagem - que abordava a questão do lixo na cidade. Creio que foi uma das letras mais críticas e contundentes contra o gestor municipal. A temática do desfile era o Meio Ambiente, focalizando a reutilização do lixo. Os alunos do Ensino Médio aproveitaram a oportunidade para reclamar da maneira como o lixo é tratado no município.
Ficou uma situação constrangedora para o palanque formado em frente a prefeitura municipal, afinal todas as autoridades municipais estavam presentes.
Ficamos assim com a sensação que não somos apenas nós que estamos atentos às questões de nossa querida Terra Alta. Os jovens mostraram que também se preocupam o destino do nosso município. Ficamos com a sensação que nem tudo está perdido.
E viva o 7 de setembro

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um pouco de política II

O real combate à corrupção

Por Leonardo Avritzer

O grupo de intelectuais que se reúne em torno do CRIP tem uma preocupação de longo prazo com a corrupção e seu impacto no sistema político brasileiro. Em nossas pesquisas, identificamos que a população brasileira considera a corrupção um grave problema, dos mais graves enfrentados pelo país.

Mas a ideia de que a corrupção no Brasil é causada pela presença de um ou de outro mau político ou administrador no governo e que a sua retirada ou a retirada de todos eles deixaria o país livre da corrupção, constitui uma ideia completamente equivocada.

Sendo assim, a ideia de que o que o país necessita é uma “faxina”, tal como temos lido todos os dias na grande imprensa nas últimas semanas, é uma ideia completamente equivocada por dois motivos: porque é evidente que sem corrigir alguns processos na organização do estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares; segundo porque a seletividade desta “faxina” pautada por alguns órgãos da grande imprensa irá desestruturar o governo e sua base de sustentação sem gerar um governo ou um estado menos corrupto.

A corrupção no Brasil tem duas causas fundamentais e sem identificá-las não é possível combatê-la. A primeira destas causas é o sistema de financiamento de campanhas políticas. O Brasil tem um sistema de campanha absolutamente inadequado, no qual os recursos públicos alocados aos partidos são absolutamente insuficientes.

O problema do financiamento do sistema político acaba sendo resolvido nas negociações para a sustentação do governo no Congresso. As coalizões de governo são fundamentais para assegurar a maioria do Executivo no Congresso, já que, desde a eleição de 1989, o partido do presidente não alcança mais do que 20% dos votos para o congresso.

Mas o problema é que estas coalizões se tornaram um sistema de troca no qual a indicação de políticos da base governista para cargos no executivo federal torna-se uma forma de arrecadação de recursos de campanha para os partidos. Ao mesmo tempo, as emendas de bancada, especialmente as coletivas, são frequentemente pensadas como forma de arrecadar recursos para os partidos.

Essa é uma das origens importantes dos escândalos recentes, que, diferentemente do que lemos na grande imprensa, afetam todos os partidos que fazem parte das coalizões de governo desde 1994.

Portanto, sem rever profundamente o sistema de financiamento dos partidos não é possível extinguir este processo. Ao mesmo tempo, é urgente rever o esquema de emendas parlamentares que se tornou um tremendo desperdício de recursos públicos.

Seria mais interessante que este processo de emendas tivesse origem na sociedade civil e estivesse a cargo, por exemplo, da comissão de legislação participativa do Congresso, para que tivéssemos a certeza que estas emendas atendem, de fato, aos interesses da sociedade mais ampla.

Há um segundo elemento que é importante ter em mente que é o sistema de controle da corrupção no Brasil e sua relação com o poder Judiciário. O Brasil passou a ter depois de 1988 um sistema relativamente bem estruturado de controle da corrupção.

Essa estruturação iniciou-se com a nova lei orgânica dos tribunais de conta de 1992, que deu a estes prerrogativas novas, tais como a paralisação de obras. O Brasil também criou a CGU em 2001 e, a partir de 2003 o governo federal iniciou as chamadas “operações da Polícia Federal” contra a corrupção.

Todas estas iniciativas são extremamente importantes e têm sido exitosas, em particular as operações da polícia federal. Sabe-se mais sobre a corrupção hoje e mais casos decorrupção foram descobertos recentemente do que em governos anteriores.

No entanto, este fenômeno pode dar margem a interpretações erradas, como a ideia frequentemente veiculada pela grande imprensa de que jamais houve tanta corrupção no Brasil.

Ainda que seja difícil dizer com algum embasamento científico se tal fato é verdadeiro, já que a corrupção é um ato secreto feito por indivíduos que não estão dispostos a divulgar os seus feitos, o mais provável é que estamos descobrindo casos de corrupção existentes há muito tempo e não novos casos. Pesquisas do CRIP em 2008 e 2009 mostram que essa é a visão da opinião pública brasileira a respeito da corrupção.

Então o problema talvez esteja menos ligado àquilo que se tem sido chamado de “faxina”, mas a outro problema que é a impunidade, especialmente quando os casos mais importantes chegam ao poder Judiciário.

Se partirmos do pressuposto de que está em curso uma atuação dos órgãos de controle da corrupção no sentido da coibição do fenômeno através de um conjunto de atividades dos TCU’s, da CGU e da Polícia Federal, a pergunta correta que se deve fazer é por que o risco de ser corrupto no Brasil não aumentou.

A resposta se assenta na lentidão do poder Judiciário. Como sabemos, o Judiciário brasileiro possui quatro instâncias e opera com a presunção da inocência, interpretada de forma positivista e ultrapassada. Assim, a certeza da culpabilidade só pode ser feita no flagrante, o que ocorre muito raramente em crimes de corrupção ou do colarinho branco.

Eles não são visíveis da mesma forma que um roubo no qual há o flagrante. Assim, a nossa presunção da inocência baseada no positivismo do século XIX acaba associada a uma concepção absurda de transitado em julgado que garante a tranquilidade dos corruptos e dos corruptores (categoria, aliás, inexistente no vocabulário da grande imprensa no país).

O problema do nosso transitado em julgado é que as condenações de primeira e segunda instâncias – e frequentemente as de terceira instância – são absolutamente inócuas. Somente com uma mudança deste rito será possível aumentar o custo da corrupção e, assim, diminuir a sua incidência.

Chegamos, portanto, ao nó do nosso problema. Não só a questão da corrupção não está ligada àquilo que está sendo denominada de “faxina”, como essa faxina será absolutamente inócua a não ser na sua capacidade de desorganizar o governo.

É necessário começar a discutir seriamente no Brasil duas questões: reforma política – em especial, reforma no financiamento de campanha – e reforma no sistema de punição dos delitos – em particular dos delitos políticos.

O futuro do combate à corrupção no Brasil se assenta no destino de duas reformas ainda não plenamente implantadas no Brasil, a ficha limpa e a emenda Peluzzo. Ambas as iniciativas têm capacidade de fazer o que a “faxina” não tem: aumentar o custo de ser corrupto no Brasil criando riscos reais para as carreiras políticas e para o patrimônio dos políticos.

Se nos contentarmos com a “faxina” seletiva proposta pela grande imprensa, corremos o risco de simplesmente mudarmos as pessoas de lugar sem nenhuma consequência real.

Aliás, uma pergunta que cabe a fazer à grande imprensa e que não quer se calar: por que é que nenhum dos órgãos da grande imprensa brasileira publica matérias sobre os casos que derrubaram os quatro ministros do governo Dilma no dia seguinte após a sua demissão? Será por que os objetivos ocultos da “faxina” já foram alcançados?


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

Um pouco de política

As tensões da eleição municipal

O meio político passou os últimos dias discutindo um assunto tão longínquo para a população quanto as recentes eleições presidenciais em Cingapura (vencidas por Tony Tan Keng Yam, caso alguém tenha ficado curioso).

Enquanto a vasta maioria do País nem se lembra que vamos escolher prefeitos e vereadores no próximo ano, no Congresso e em algumas cidades é como se 2012 já tivesse chegado. As eleições municipais estão na ordem do dia.

Sempre que entramos nessa temporada, repete-se um debate que começou há tempos, quando fixamos nosso atual calendário eleitoral, que estabelece sua realização no intervalo das eleições gerais. Já tivemos outras fórmulas, mesmo recentemente: se o quinto ano que Sarney ganhou em 1988 (sem alterar a duração dos demais mandatos) não houvesse sido abolido pela emenda da reeleição, faríamos eleições presidenciais e municipais simultâneas a cada 20 anos, a começar em 2004.

Como elas acontecem justamente no meio do período presidencial, a pergunta é natural. Há alguma relação entre as eleições nas cidades e as eleições presidenciais seguintes? Ou, em termos mais gerais, as eleições municipais têm relevância no jogo político nacional?

Todos concordariam que alguma, mas a resposta à primeira pergunta está longe de ser óbvia. Nada indica que a eleição municipal seja uma prévia da batalha pela Presidência.

As principais consequências das eleições municipais na política nacional não são diretas. Sair-se bem, ganhar muitas prefeituras, não prepara um partido para ter bom desempenho nas eleições presidenciais, como mostram os exemplos do PMDB e do DEM (nas suas encarnações anteriores de PDS e PFL).

Veja-se o caso do PMBD agora. Celebrado como grande vitorioso na eleição de 2008, seus 1,2 mil prefeitos não terão sido responsáveis por mais que uma parcela infinitesimal da vitória de Dilma Rousseff (ou alguém acha que ela foi bem votada pelo “prestígio” dos prefeitos da legenda?). Como de pouco adiantaram a José Serra os mais de 1,25 mil que tinha quando marcharam com ele em 2002.

Inversamente, nem o PSDB nem o PT precisaram ter milhares de prefeitos para fazer os últimos cinco presidentes. O PT, por exemplo, havia ganhado apenas 187 prefeituras em 2000 (cerca de 3% do total), dois anos antes da eleição de Lula. Em 2004, com ele no Planalto, foi a 410, equivalentes a pouco mais que 7% do total. Nem precisou de muitos para vencer nem sua vitória levou a uma avalanche de prefeitos (ou provocou um tsunami de adesões).

Mesmo, no entanto, que as eleições municipais não tenham efeito direto significativo na eleição para presidente, elas são importantes para a política nacional. Seu impacto eleitoral pode ser pequeno, mas suas consequências são grandes.

A razão está no seu efeito nas eleições para o Legislativo. Por diversos motivos, a começar pela nossa legislação eleitoral, o tamanho das bancadas no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, tem muito a ver com o desempenho dos partidos nas disputas locais.

“Ter prefeitos”, de preferência muitos, é um passaporte para a Câmara. Os candidatos a deputado chegam a duelar por seu apoio, pois são cabos eleitorais decisivos no nosso sistema político. Eles é que apresentam os concorrentes aos eleitores, ajudando-os (às vezes no bom sentido, muitas vezes no mau) a escolher no imenso cardápio de desconhecidos que lutam por seu voto.

Da combinação de voto proporcional em lista aberta com o multipartidarismo caótico vigente resulta a influência dos prefeitos nas eleições legislativas. Tê-los não é o único caminho para eleger boas bancadas, mas é um dos principais.

Quando Lula quis o apoio do PMDB para Dilma não era para que o partido ajudasse a elegê-la. Era para contar com seus parlamentares depois da vitória, que ele calculava que seriam muitos. Exatamente por causa das “bases municipais” peemedebistas.

Assim, quando, na véspera das próximas, os grandes partidos começam a tomar posição, o que está em jogo não é a eleição presidencial. São as eleições de deputados e senadores em 2014.

O PT e o PMDB cresceram e quase empataram em 2010, com pequena vantagem petista na Câmara e desvantagem no Senado. Isso fez subir o “valor” de seu aliado principal. Se, agora, o PT se fortalecer nas municipais, sua participação no futuro Congresso deverá ser maior. Com isso, poderá regatear e baixar o preço da aliança.

Daí as tensões que as próximas eleições municipais provocam na base do governo. Tem gente no PMDB que já está, por conta disso, perdendo o sono.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br